Quando um chegou, o outro partiu.
E a alegria ficou engasgada pela dor da despedida.
Em uma época que Fusca era
sinônimo de automóvel, sonho de quem comprava um carnê do Baú da Felicidade,
meu pai não cansava de dizer que só mesmo brasileiro para gostar de um carro
tão esquisito, apertado e desconfortável.
Tinha lá sua razão, mas penso que
também gostava de manter-se como uma voz dissidente da opinião geral, nos mais
diversos assuntos. Se Pelé era o rei, preferia Tostão. Bebia Pepsi e dispensava
a Coca-Cola.
Italiano, não tinha direito ao
voto, mas não deixava de dar suas opiniões sobre política, geralmente a favor
da oposição. Não que tivesse uma tendência de esquerda ou de direita, simplesmente
gostava de ser do contra.
A Fiat deve uma parte de seu
sucesso ao meu querido napolitano. Quando desembarcou no Brasil e passou a
produzir os primeiros modelos 147, o velho fez questão de ser um dos primeiros
compradores.
Não se cansava de elogiar a
novidade, destacando o espaço interno e a economia do motor transversal,
enquanto todos preferiam ouvir os conselhos dos seus mecânicos, que ainda
temiam consertar algo tão complexo quanto o carrinho italiano.
Como todo garoto, minha opinião
era a paterna, por isso quando a conversa com os meninos da rua chegava ao carro
preferido, defendia o Fiat. Cheguei a brigar quando um menino passou a repetir “Fui
Iludido Agora é Tarde”, como o significado da sigla.
Alguns anos depois, em meados dos
anos 80, o Fusca perdia terreno para outros carros mais modernos, com o Gol
ganhando as ruas. Então, meu pai chegou com um Fusquinha 77, comprado em um
leilão de frota da Telesp.
Trocou o laranja e azul da
empresa por um bege claro e descobriu as vantagens de ter um carro econômico e
robusto, capaz de carregar todas as suas coisas com o bagageiro no teto:
madeira de construção, ferramentas, portas, janelas, escadas, móveis,
geladeira, enfim, tudo que ele precisava para realizar o sonho de construir uma
casa na praia.
Com o “beginho”, aprendi a dirigir e dei minhas primeiras voltas de fins de semana, mas só conseguia as
chaves depois de perder horas com a limpeza, mesmo sem lhe devolver o brilho, já que as latas de Grand Prix não eram suficientes para
tirar as marcas de tanto trabalho debaixo do sol.
Tive boas histórias com o Fusca.
Por isso, bem mais velho e apesar de ter dois carros novos da Fiat na garagem,
resolvi comprar mais um alemãozinho. Meu coração balançou quando encontrei um
1979, um dos primeiros com lanterna Fafá, bem conservado e original, cuidado
pelo mesmo dono por mais de 30 anos e deixado como herança.
No caminho para casa, revivi a
emoção das primeiras aceleradas no carro do meu pai. Gargalhei sozinho, com a
bronca que me daria, quando arranhei uma troca de marcha, desacostumado com o
câmbio.
Mesmo sem depender da aprovação
do velho, pensei em como seria a sua reação ao me ver com o Fusca. Tenho
certeza que brigaria e, mais uma vez, me diria que desconfiava da minha
sanidade mental. Aquela gritaria italiana que passa rápido, ficando tudo bem
depois de cinco minutos.
Não deu tempo. Cheguei a casa e o
telefone tocou, confirmando a sua partida, para nunca mais voltar.